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Os impactos das tecnologias da Revolução Verde sobre os sistemas alimentares e o meio ambiente: uma conversa com o professor Ricardo Abramovay

Ancorado em monoculturas, o sistema agroalimentar global impõe impactos significativos à saúde humana e animal, ao meio ambiente e ao clima. Em conversa com a Concertação, o professor Ricardo Abramovay (Cátedra Josué de Castro e Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo) discorreu sobre os desafios colocados por esse modelo, bem como os possíveis caminhos para garantir a alimentação de uma população global de oito bilhões de pessoas.

A Revolução Verde

Segundo Abramovay, não existe uma única solução para o problema. O sistema atual é um resultado complexo de um conjunto de forças que foram se constituindo e se relacionando umas com as outras. Ou seja, não se trata de algo espontaneamente estabelecido pelo “mercado” de que se pode escolher “abrir mão”.

Esse caminho foi aberto pela chamada “Revolução Verde”, processo iniciado entre os anos 1960-1970. Caracterizado pela introdução de tecnologias modernas na agricultura e na pecuária, ele potencializou a produtividade agrícola ampliando drasticamente a produção de alimentos, reduzindo seus preços e a fome no mundo. 

Embora os impactos ambientais da Revolução Verde tenham sido questionados desde o início, a crítica permaneceu tímida e marginal diante dos seus resultados para a produção agropecuária. Isso vale também para os impactos sobre a saúde humana e animal, causados pela monotonia alimentar e pelo elevado consumo de alimentos ultraprocessados. Estes, por sua vez, são produzidos com uso em larga escala de pesticidas, antibióticos e produtos químicos.

Porém, a crise climática, a erosão da biodiversidade e a poluição decorrente dessas formas produtivas se agravaram a um ponto em que as organizações de pesquisa mais importantes do mundo, o meio empresarial e os organismos multilaterais não podem continuar indiferentes.

Os impactos do modelo agrícola sobre o meio ambiente, a biodiversidade e o clima

O professor conta que o Fórum Econômico Mundial (WEF), embora seja uma entidade representativa do universo empresarial global em diálogo com o setor público, lançou a iniciativa “New Frontiers of Nutrition”, reconhecendo a relação entre os alimentos ultraprocessados e a monotonia alimentar, assim como os problemas dela decorrentes. Em seu site, a organização informa que, até o ano de 2050, metade da população adulta do planeta estará clinicamente obesa e que a agropecuária é responsável por 80% do desmatamento e perda extensiva da biodiversidade, além de 1/3 das emissões de gases de efeito estufa. 

Abramovay destaca também o trabalho desenvolvido pelo Grupo Consultivo sobre Pesquisa Agrícola Internacional, que vem alertando para os efeitos da monotonia alimentar sobre a saúde humana. A entidade internacional desenvolve pesquisas dedicadas a reduzir a pobreza, melhorar a segurança alimentar e nutricional, os recursos naturais e serviços ecossistêmicos.

A estes, soma-se o último relatório do Banco Mundial sobre alimentação (Recipe for a Liveable Planet) e o posicionamento do reconhecido agrônomo Cary Fowler, enviado especial dos EUA para segurança alimentar global, que recomendam aos países a adoção de caminhos mais adaptados às condições locais ou bioma, em detrimento dos sistemas monoculturais.

Abramovay registra que, hoje, tanto o “mainstream” científico como o ambiente empresarial e a sociedade civil estão mudando de opinião em relação ao tema e aumentando a pressão sobre as grandes indústrias de alimentos, que dependem profundamente desse modelo. Isso é importante porque abre caminho para que se discuta o problema não só com pequenos produtores, mas com o setor agropecuário como um todo, que também está sofrendo com os eventos climáticos extremos.

O contexto brasileiro

O professor alerta para o posicionamento da indústria brasileira de alimentos por meio da Associação Brasileira da Indústria Alimentar, que é majoritariamente negacionista quanto aos males causados por alimentos ultraprocessados, tema que é consenso entre os cientistas de todo o mundo. 

Para ele, estamos num momento em que a pressão social, os eventos climáticos extremos e os estudos que mostram que os custos ocultos desse sistema agroalimentar (referentes à saúde, clima, serviços ecossistêmicos e correlatos) correspondem ao dobro do faturamento da indústria alimentar globalmente, criam um ambiente que permite ampliar o alcance desses questionamentos.

Por outro lado, existe o crescente interesse de produtores e consumidores por produtos orgânicos. Abramovay destaca um caso em Sertãozinho (SP), onde uma unidade da maior exportadora global desses produtos tem sido procurada por concorrentes que operam no modelo convencional e veem suas capacidades esgotadas.

Outro exemplo ocorre na região do Cerrado, onde associações reúnem grandes fazendeiros para discutir alternativas diante dos impactos das secas recorrentes. A pecuária já avançou bastante nesse sentido. A Embrapa indica que o Brasil tem condições de desenvolver uma pecuária bovina a pasto que praticamente neutralize as emissões de gases de efeito estufa, por meio de diversificação de pastagens, introdução de leguminosas e plantios arbóreos (método Guaxupé de criação de bovinos). Mas ainda não existe essa alternativa para criação de aves e suínos.

A Amazônia

Quanto à Amazônia, o professor aponta duas consequências importantes da situação atual. A primeira é que, se nada for feito, a soja continuará a se expandir na região, já que infraestruturas que permitem a sua comercialização continuam a ser instaladas (estradas, portos, armazéns, aduanas, etc.). 

A segunda consequência diz respeito aos impactos da crise climática, que já afetam a produtividade na região. Isso permite a Abramovay um olhar um pouco mais otimista em relação a mudanças na grande agricultura, que já começou a desenvolver trabalhos de pesquisa para seus processos de transição e adaptação climática.

A importância da Ciência, Tecnologia e Inovação para o desenvolvimento sustentável

De acordo com o professor, o uso sustentável da biodiversidade da Amazônia tem o potencial de oferecer produtos que se contraponham ao avanço dos ultraprocessados, cujos impactos negativos sobre a saúde humana são conhecidos. O desafio está em encontrar formas de processamento e ampliação dos mercados para esta biodiversidade que evite tanto as monoculturas quanto o uso de procedimentos pelos quais eles se tornem, eles mesmos, ultraprocessados.

Abramovay também chama a atenção para o papel das inovações tecnológicas na contenção do desmatamento, recuperação do bioma e promoção do desenvolvimento sustentável. Para ele, as mais importantes têm dois elementos em comum: baixo impacto e amplo acesso.

Um exemplo é o projeto Conexão Povos da Floresta, que está levando internet para o interior da Amazônia. Neste caso, tão importante quanto o próprio dispositivo tecnológico é o fato de que ele se apoia numa rede e em habilidades para cujo uso e manutenção os próprios usuários são treinados.

Outro tema de interesse é a riqueza da Amazônia em óleos vegetais, que representa um dos caminhos possíveis para emancipação de diversos dispositivos atuais de sua dependência do óleo diesel, ainda que a energia solar e a mobilidade elétrica devam ser mais pesquisadas e desenvolvidas.

O professor também defende ser fundamental levar ao interior da Amazônia (floresta e pequenos municípios) dispositivos que permitam a conservação e o processamento de produtos florestais. Além dos produtos da sociobiodiversidade, é importante apoiar métodos de intensificação moderada que permitam melhorar a criação bovina com base em técnicas que a EMBRAPA vem desenvolvendo, beneficiando especialmente os mais de 400 mil agricultores familiares que se dedicam à atividade. E na agricultura, é essencial apoiar técnicas regenerativas que valorizem o potencial de diversidade da região e evitem a monotonia dos sistemas produtivos.

Bioeconomia

Em que pesem as importantes discussões e iniciativas sobre a bioeconomia de produtos florestais, Abramovay acredita que as ações de regeneração ainda estão longe da escala necessária, sendo o maior obstáculo a questão do ordenamento territorial e regularização fundiária na Amazônia Legal. Por outro lado, existem iniciativas como as da ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) para mobilização de cadeias produtivas do setor, que são muito promissoras.

No entanto, é importante ressaltar que a bioeconomia não se restringe à economia da sociobiodiversidade florestal. Os serviços ecossistêmicos que vêm sendo destruídos pela expansão da produção agropecuária podem ser restaurados por meio da regeneração dos ecossistemas. Esta, por sua vez, deve estar no epicentro não apenas da bioeconomia das florestas, mas também da produção das matérias-primas que compõem a alimentação.

Saiba mais sobre Ricardo Abramovay no site oficial.

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