Para esta conversa, foram convidados Larissa Tukano, da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn); Denis Minev, da Bemol; Dra. Érika Pellegrino (UFPA/Altamira); e Eugenio Scannavino Neto, do projeto Saúde e Alegria. Durante o evento também foi realizado o lançamento da galeria virtual de artistas amazônidas, que por meio de suas obras ajudam a Concertação a construir e humanizar os debates, expandindo o imaginário sobre as várias Amazônias. Com o tema “Ciclos Para o Amanhã“, a exposição traz a visão de 16 artistas que se dedicam e lutam pelo chão que habitam.
A abertura ficou a cargo de Renata Piazzon, diretora do Instituto Arapyaú e secretária-executiva da Concertação, que relembrou os pilares da atuação da rede, que hoje conta com mais de 500 lideranças dos mais variados setores. Apartidária, a iniciativa vem se consolidando como um hub de conhecimento e de encontro pela Amazônia.
Saúde
“A saúde é básica para a preservação da floresta”.
Eugenio Scannavino Neto
O médico sanitarista do Projeto Saúde e Alegria levou ao debate exemplos de problemas e soluções vivenciadas na Amazônia, como as dificuldades colocadas pela imensidão do território, a desigualdade das estruturas de atendimento, a viabilidade do atendimento primário – que se mostrou muito efetivo para as condições específicas da região -, e a relevância da telemedicina em um território com essas características.
Para ele, o gargalo está na gestão pública e na qualificação desses atores. “A Amazônia possui especificidades na saúde e indicadores inferiores aos nacionais”, explica. Ele defende que medidas relativamente simples e pouco custosas visando o atendimento primário seriam capazes de aliviar os hospitais, como o abastecimento das UBSs (Unidades Básicas de Saúde) com equipamentos básicos, implementação da telemedicina e adoção de políticas de prevenção e saneamento.
“A conexão entre economia e saúde é necessária”.
Dra. Érika Pellegrino
A professora de medicina da UFPA de Altamira defendeu como prioridades o fortalecimento do planejamento e gestão, o investimento em conectividade e telemedicina, a formulação de uma política de recursos humanos capaz de formar e reter profissionais, e o aproveitamento de outras fontes de financiamento além dos específicos da área.
Érika explicou que a questão da saúde muito se relaciona com temas tratados por órgãos de outras áreas, como o Ministério da Cidadania e órgãos voltados à infraestrutura (saneamento, educação etc.), que podem ser acessados para fins de financiamento de ações de saúde, desde que os gestores estejam mais preparados.
Premissas da Concertação para a Saúde
Para fechar esta parte do debate, Lívia Pagotto, gerente de conhecimento do Instituto Arapyaú, apresentou indicadores de saúde da Amazônia Legal e um resumo de caminhos possíveis nesta frente, tais como:
- o fortalecimento da atenção básica em áreas remotas e das capacidades institucionais, com governança adaptada ao território amazônico (SUS adaptado);
- acesso a dados e ampliação de capacidades analíticas (governos federal, estaduais e municipais);
- abordagem de saúde planetária: conexão entre saúde/pandemias/conservação da floresta;
- infraestrutura e logística partilhadas para a entrega de políticas estruturantes;
- estabelecimento da Amazônia como território de prática para universidades e centros de pesquisa.
ECONOMIA
“A Amazônia é um imenso patrimônio cientifico da humanidade”.
Denis Minev
No bloco de debate sobre economia, o empresário e presidente da Bemol ressaltou que a Amazônia não é um problema ambiental a ser resolvido, e sim uma região imensa, com diversidades internas de todos os tipos e que não deve ser abordada sem uma “visão” de prosperidade. Ele lembrou que a ciência brasileira não está voltada para o patrimônio ambiental da Amazônia, onde faltam profissionais, equipamentos e financiamento para pesquisa. Para ele, é possível reinventar o Brasil a partir da Amazônia.
“Falta diálogo entre o governo e os povos indígenas”.
Larissa Tukano
A líder indígena da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), entidade que reúne 23 povos indígenas, relatou o trabalho das artesãs indígenas, destacando sua cadeia produtiva sustentável e a dificuldade de compreensão dessa realidade no relacionamento com o mercado. Ela explicou que não se trata de uma produção empresarial, mas de um empreendimento comunitário, que tem seu próprio ritmo e entrega não só os produtos e serviços que vende, mas a floresta em pé, ao mesmo tempo em que preserva tradições, resistência e luta.
Para ela, falta diálogo entre governo e empresas com os povos indígenas, que muitas vezes são vistos como objeto de pesquisa e seres do passado.
Premissas da Concertação para a Economia
Novamente, Lívia Pagotto apresentou as propostas que vêm sendo discutidas no âmbito da rede para este tema:
- mosaico de atividades econômicas de acordo com as paisagens: bioeconomias, economia da conservação, economia campo-cidade, economia urbana;
- coordenação inter e intrarregional;
- inclusão do informal no mercado de trabalho;
- mobilização de fontes de recursos diversificadas, com a maior mobilização possível de capital paciente no curto prazo;
- revisão tributária e de incentivos, considerando conservação, clima e biodiversidade;
- acesso a crédito e a mercados;
- equilíbrio entre as commodities;
- aprimoramento da governança e incentivos.
Lugar de fala
“Se a gente não cuidar das pessoas que cuidam da Amazônia, não avançaremos”
Vanda Witoto
Presente no debate, um dos pontos altos do encontro foi a participação de Vanda Ortega Witoto, liderança indígena, professora e técnica de enfermagem no Parque das Tribos, em Manaus, e também da líder indígena Samela Sateré Mawé.
“O olhar do mundo para a Amazônia só existe via satélite. O que acontece aqui embaixo, ninguém vê”, disse Vanda durante seu depoimento, que emocionou a todos.
Samela ressaltou que “quando a gente pensa em Amazônia, temos que pensar nos povos em toda a sua pluralidade”, e completou: “a gente tem que pensar a Amazônia como uma mulher indígena, e as pessoas como sementes e frutos. Não tem como diferenciar o corpo do território, nós nos entendemos como extensão do território”.
Além da ênfase dada às questões relacionadas aos direitos dos povos indígenas e à temática da saúde, ambas convergiram nas suas reivindicações: os povos originários não pedem obras, investimentos ou bens materiais; eles querem ser ouvidos e fazer parte da construção de soluções para o território. Nas palavras de Samela, “nada para nós, sem nós”!