Povos indígenas à luz do novo contexto político
O 1º Encontro da Concertação em 2023 teve como foco a identificação das pautas prioritárias para uma política indigenista à luz do novo contexto político, bem como as formas de colaboração dos diferentes setores da sociedade para implementação dessa agenda. Realizado em formato virtual, o evento contou com a presença de mais de 150 participantes.

Com mediação de Fernanda Rennó, secretária executiva da rede, o Encontro recebeu como painelistas Ceiça Pitaguary, secretária de gestão ambiental e territorial indígena do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Genilson Guajajara, fotógrafo indígena cuja obra passa a inspirar a identidade visual dos canais digitais da Concertação, e Puyr Tembé, Secretária de Povos Indígenas do Estado do Pará.

 

Também estiveram presentes Tasso Azevedo, coordenador geral da iniciativa MapBiomas e idealizador do projeto “Conexão Povos da Floresta”, e o economista Francisco Gaetani, atualmente à frente da Secretaria Extraordinária para a Transformação do Estado, vinculada ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos.

“Esse ministério não pode ser transitório”

(Ceiça Pitaguary)

Ao discorrer sobre as prioridades do MPI, Ceiça observou que o contexto de criação do Ministério indicaria a necessidade não só de construir e gerenciar a nova estrutura administrativa, mas também de recuperar os organismos e políticas indígenas que sofreram desmonte nos últimos seis anos. Para ela, o Ministério é uma inovação, uma ousadia e também uma oportunidade para os representantes dos povos originários mostrarem que são capazes de gerir, coordenar e estar à frente dessas políticas.

De acordo com Pitaguary, dentre os principais desafios deste início de gestão estão a homologação das Terras Indígenas (TI) já identificadas, cujos processos têm sido postergados, a demarcação de TIs em fase de identificação e a recomposição dos quadros da Funai.

Outra frente essencial é a de articulação do MPI com os demais ministérios e órgãos governamentais, buscando integrar as ações voltadas ao atendimento das demandas e direitos, como saúde, educação e acesso a fundos públicos e privados, como o Fundo Amazônia, filantrópicos, BNDES e outros.

Destacando que a gestão das Terras Indígenas requer um diálogo constante com as comunidades, de maneira a respeitar as formas de gestão dos diversos povos e facilitar seu acesso aos serviços públicos, Ceiça destacou que o Ministério dos Povos Indígenas “tem que dar certo para que este não seja um ministério transitório, de um só governo”.

Ela declarou ainda que o apoio prestado pela sociedade civil brasileira às causas indígenas neste período de abandono estatal continua sendo essencial nos próximos anos (no sentido de cobrar, demarcar espaço, estar junto e ajudar a manter as terras indígenas para uso exclusivo das comunidades).

“Nosso território é nosso espaço sagrado”

(Genilson Guajajara)

Genilson Guajajara compartilhou um pouco da sua trajetória como fotógrafo indígena. Nascido na aldeia Piçarra Preta, Terra Indígena Pindaré (MA), começou a fotografar depois de participar de um programa de formação política ao lado de jovens de outras etnias, em 2015. De início, preocupou-se em registrar as falas dos anciões por meio de vídeo, para guardar essa memória e discutir com outros jovens novas maneiras de se comunicar por meio de imagens.

Tendo participado desde pequeno das reuniões e das lutas de seu povo, Genilson observou que estes momentos não tinham a visibilidade esperada. A partir daí, o fotógrafo voltou-se à vivência e à espiritualidade, passando a cobrir o cotidiano de sua aldeia e a promover oficinas de fotografia, registrando rituais e costumes e utilizando as imagens para se comunicar com a própria comunidade e outros fora dela, contribuindo para as suas lutas.

Em sua contribuição ao debate, ele destacou o momento em que fotografou uma jovem usando uma máscara de folha, que representa a medicina e o conhecimento da natureza do povo Guajajara. Tirada durante o isolamento da pandemia, a foto registrou a valorização da medicina tradicional pela própria comunidade e o tornou mais conhecido fora dela. 

Em seu trabalho, o artista procura conscientizar as pessoas a cuidarem do espaço em que vivem. Para ele, “o território é parte do nosso corpo… (e) a fotografia nos dá a possibilidade de ver como o corpo se expressa nesse espaço sagrado”.

“Queremos levar telemedicina, proteção territorial, cultura e ancestralidade e empreendedorismo, entre outros, aos povos indígenas”

(Tasso Azevedo)

Em linha com os desafios colocados por Ceiça e Genilson, especialmente na comunicação com os povos indígenas, Tasso Azevedo relatou os avanços do projeto “Conexão Povos da Floresta”, que associa quatro programas de inclusão digital à entrega dos equipamentos para acesso à internet: telemedicina, proteção territorial, cultura e ancestralidade, e empreendedorismo e inclusão financeira.

O projeto já instalou quatro pontos de conexão em comunidades Yanomami e tem como meta alcançar de 800 a 1.000 instalações nos nove estados da Amazônia Legal ainda este ano. Sob a liderança da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) e do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), foi criada uma instância de governança para coordenar esses esforços: o Instituto Conexão Povos da Floresta. 

“A secretaria não é só dos povos indígenas, mas de toda a sociedade”

(Puyr Tembé)​

Na sequência, Puyr Tembé, secretária dos povos indígenas do estado do Pará, descreveu os objetivos e dificuldades desse início de trabalho da nova Secretaria. Ela ponderou que a criação do órgão é uma reivindicação indígena desde 2007 e representa uma conquista também da sociedade brasileira, que apoiou e caminhou junto aos povos.

De acordo com Puyr, o desafio maior não é construir novas políticas indígenas no Pará, mas reconstruir o que foi destruído nos últimos quatro anos, uma tarefa a ser realizada em colaboração com o Ministério dos Povos Indígenas, prefeituras e sociedade civil: “o desafio está bem grande, as pautas são todas emergenciais”, concluiu.

Para além das pautas urgentes, Puyr destacou a necessidade de priorização da educação escolar indígena, a emissão de documentos civis para que se garanta o acesso aos serviços públicos, o fomento à agricultura sustentável e o combate ao garimpo em Terras Indígenas.

“A sociedade brasileira precisa se apropriar e valorizar a atuação dos povos originários”

(Francisco Gaetani)

Francisco Gaetani, que assumiu este ano a Secretaria Extraordinária para a Transformação do Estado, relatou o empenho do governo federal em atender a emergência Yanomami. Ele afirmou que, neste momento, os esforços da secretaria estão direcionados principalmente à viabilização de compra e entrega de cestas básicas e remédios, à disponibilização de imóveis da União para o enfrentamento da crise e a uma atuação diferenciada em relação à reestruturação da Funai.

Segundo Gaetani, a pauta indígena está no topo das prioridades do governo e a sociedade precisa mudar a compreensão que tem dos povos originários, sob pena de ver outras tragédias acontecerem.

“Ter acesso à educação é manter viva a nossa cultura, o nosso direito e o nosso território”

(Vanda Ortega Witoto)

A etapa final do evento contou com mais contribuições importantes. A profissional de saúde Vanda Ortega Witoto falou sobre a questão da educação escolar indígena, sugerindo a criação de uma secretaria dentro do Ministério da Educação dedicada à pauta. Já a ativista e comunicadora Samela Sateré-Mawé destacou a presença de indígenas em diversas instâncias de governo e a importância do apoio da sociedade civil à defesa dos direitos dos povos originários. Por sua vez, a liderança indígena Kaianaku Kamaiurá realçou a relevância deste momento de reconstrução, sem perder de vista o legado da ancestralidade indígena.

O próximo encontro da Concertação acontece no dia 8 de Maio, acompanhe essas e outras novidades pelos canais da rede.

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