Ordenamento Territorial e Regularização Fundiária: entre desafios e oportunidades
O 5º Encontro da Concertação de 2023 se voltou para os desafios e as oportunidades em ordenamento territorial e regularização fundiária (OTRF) na Amazônia. Ele aconteceu em 16 de outubro em parceria com Instituto Governança de Terras.

O 5º Encontro da Concertação de 2023 se voltou para os desafios e as oportunidades em ordenamento territorial e regularização fundiária (OTRF) na Amazônia. Ele aconteceu em 16 de outubro em parceria com Instituto Governança de Terras.

Com cerca de 100 participantes e mediação das secretárias-executivas da Concertação, Lívia Pagotto e Fernanda Rennó, o evento teve início com a exibição do vídeo “A vida do solo”, da agroecóloga Ana Maria Primavesi, em referência ao Dia Mundial da Alimentação (16/10). Fernanda Rennó destacou a conexão entre os temas abordados no vídeo e a pauta do encontro, em particular a complexidade biológica do solo, questão anterior à própria organização e uso do território

Em seguida, Fernanda anunciou que a identidade visual da Concertação passaria a ser inspirada pela arte de Ueliton Santana, artista acreano que espelha em sua obra o entrelaçamento da cultura local com a grandeza da floresta amazônica:

“O primeiro desafio é construir um cadastro de ordenamento territorial da Amazônia, com as diferentes camadas dos tipos de uso do solo”

(Gabriel Siqueira)

Gabriel Siqueira, presidente do Instituto de Governança de Terras (IGT) e facilitador do GT de OTRF da Concertação, foi o primeiro convidado a falar. Ele procurou contextualizar o nível de conhecimento disponível hoje sobre o território amazônico, considerando que não há um cadastro único que permita encontrar todas as informações de forma organizada, transparente e acessível. Logo, o primeiro desafio é construir essa base de dados.

Como exemplo, Gabriel exibiu um mapa da Amazônia Legal sobre o qual o IGT lançou os dados disponíveis em órgãos públicos como Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e Sigef (Sistema de Gestão Fundiária). Conforme as camadas de informações eram acrescentadas à base, foi possível visualizar a sobreposição de inúmeros usos e direitos fundiários. Da mesma forma, surgiram espaços “vazios”, que não correspondem a áreas desocupadas, mas a áreas sobre as quais ainda não há informações.

A fragilidade e as limitações dos dados comprometem o entendimento e o planejamento do território. Para ele, “saber o que é de quem e onde é uma tarefa que antecede o ordenamento territorial da Amazônia”.

“Não dá para fazer regularização ambiental separada de regularização fundiária. Uma é pré-requisito da outra”

(André Lima)

Em seguida, André Lima, Secretário Extraordinário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), expôs os esforços do governo federal sobre OTRF. Ele apontou como destaques a Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento e sua subcomissão “Amazônia”, a retomada das ações do Fundo Amazônia, a elaboração da quinta etapa do PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal), a criação do programa “União com Municípios pela Redução de Desmatamento e Incêndios Florestais” e a formação da diretoria de Ordenamento Territorial.

André argumentou que são três os principais desafios do governo neste momento: dar celeridade aos estudos para destinação de terras públicas; bloquear as áreas para as quais já há destinação definida, mas cujo processo de efetivação ainda não está concluído; e decidir o que fazer com as áreas federais que não tenham destinação definida para evitar que sejam utilizadas por atividades degradadoras da floresta.

“O nosso objetivo é construir uma política nacional de governança fundiária”

(Moisés Savian)

Por sua vez, Moisés Savian, Secretário de Governança Fundiária, Desenvolvimento Territorial e Socioambiental do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), lembrou que o MDA está sendo reconstruído e já apresenta resultados, como a retomada da política de desenvolvimento agrário e da agricultura familiar, o crédito fundiário e a participação na Câmara Técnica de Destinação e Regularização Fundiária de Terras Públicas Federais Rurais.

O Ministério afirma estar dedicado a trabalhar por uma política de longo prazo para a destinação de terras públicas, que não consolide um olhar especulativo nem privilegie aqueles que atuam no contexto de irregularidades. Para isso, criou um GT para estudar a proposta de construção de uma política nacional de governança fundiária. Além das dimensões do cadastro e da gestão de terras públicas, essa política deve agregar a dimensão da reforma agrária, da avaliação e da tributação de terras, os conflitos agrários e a garantia do território para os povos originários e tradicionais.

Savian considera que a questão fundiária é histórica e que o mandato do atual presidente não será suficiente para sua resolução. Nesse contexto, o MDA quer oferecer à sociedade brasileira um caminho permanente para solucionar o problema, que não seja suscetível às mudanças de poder.

“A proteção da floresta deve ser o foco de qualquer discussão sobre emergência climática”

(José Benatti)

Professor titular da Universidade Federal do Pará (UFPA) e doutor em Ciência e Desenvolvimento Ambiental, José Benatti trouxe para a discussão as recentes tentativas de revisão dos direitos territoriais a partir da tese do Marco Temporal, da emergência climática e da violência no campo.

Para ele, o debate deve ser ampliado para além de questões específicas, abrangendo políticas públicas, instâncias, instrumentos e soluções socioambientais. A busca de soluções deve envolver a compreensão da complexidade do problema, e as propostas devem passar pela transversalidade das políticas públicas.

Benatti explicou que o Brasil possui inúmeras normas jurídicas contraditórias para ordenamento e destinação do espaço, o que contribui para o aumento da insegurança jurídica territorial. A Amazônia, em particular, foi ocupada a partir de visões discrepantes, que ora consideram o território como fonte de recursos, ora como espaço de convivência entre humanos e não humanos, o que tem levado a conflitos muitas vezes sangrentos.

Segundo ele, o arcabouço jurídico-administrativo de que dispomos hoje não consegue responder ao problema mais premente do século 21, que é a emergência climática. Considerando que diversos estudos indicam que as florestas mais conservadas são as que são habitadas, uma das formas de combate à crise climática é justamente garantir os direitos territoriais dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.

O professor defende que a sociedade brasileira precisa decidir “se a Amazônia será uma grande fazenda de produção de grãos, gado e minérios ou se será um espaço sociobiodiverso. Não há meio termo”.

“Territórios demarcados são mais conservados e ajudam na questão climática”

(Cristiane Baré)

Encerrando o ciclo de convidados, Cristiane Baré, assessora jurídica da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e membro do Grupo de Trabalho do CNJ “Direitos Indígenas: Acesso à justiça e singularidades processuais”, registrou os retrocessos dos direitos das comunidades indígenas e das políticas ambientais entre 2016 e 2022.

Ao mencionar o atual empenho pela reconstrução dessas políticas, ela reforçou sua confiança de que o movimento indígena vai continuar resistindo às pressões e ameaças e está centrado em ajudar a Funai na demarcação de terras.

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