BONIKTA (Caio Aguiar)

Artista paraense que passa a “vestir” os canais digitais da Concertação apresenta uma arte rica em sobreposições de formas, tempos e espaços. Representante da nova geração da arte urbana amazônida, ele cria memórias coletivas para imaginar futuros possíveis.

Bonikta (Caio Aguiar), artista paraense que passa a “vestir” os canais digitais da Concertação, apresenta uma arte rica em sobreposições de formas, tempos e espaços. Representante da nova geração da arte urbana amazônida, ele cria memórias coletivas para imaginar futuros possíveis.

Criado na presença de rios e igarapés em Ourém, no interior do Pará, “por uma família de mulheres que constituem muito do que sou”, Caio se expressa por diferentes tecnologias e linguagens artísticas, do grafite ao lambe-lambe, ilustrações, pinturas, fotografias, vídeos, animações, tatuagens, máscaras e desenhos digitais. 

Seu trabalho representa o universo das ‘boniktas’, figuras que habitam um imaginário atemporal. Ele conta que, assim como sua vocação artística, não há planejamento prévio para suas obras: elas se fazem de forma espontânea e natural – e jamais se repetem.

As próprias boniktas são fruto dessa espontaneidade. Esses seres “enkantados” surgiram como uma aparição quando ele se mudou de Ourém para cursar a faculdade em Belém. O choque seguido da fusão entre Amazônias tão diversas causou “um grande estouro, uma travessia. Nesse momento, a bonikta surgiu e eu peguei na mão dela e ela falou assim: ‘vamos comigo, eu vou te mostrar o caminho’”.

Igarapé (série Memórias Enkantadas)

Caio descobriu na capital outra possibilidade de ser e vivenciou muitas manifestações culturais. Viu grafites, muros pichados, adquiriu novos olhares e acessou uma diversidade maior de pessoas. Conheceu “a galera da arte urbana e do hip hop”, com quem saía para “fazer pixos e grafitar”, e entrou em contato com o universo das tatuagens.

“O nome ‘bonikta’ veio da minha primeira experiência como tatuador. Meu amigo olhou para o desenho sobre a pele e falou: ‘nossa, que bonikta!’. Na hora, eu soube: esse é o nome!”

Essas figuras que povoam naturalmente seus trabalhos questionam o que deve ser um padrão de beleza. Elas surgiram da necessidade de criar para si uma identidade na cidade, que permitisse às pessoas conhecê-lo e recordá-lo. Elas vivem dentro dele, são seu alter ego e representam caminhos construídos nessa travessia através de imagens, traços e fotos.

Kavaleyra da ilha (série Memórias Enkantadas)

Da mesma forma que brinca desde criança nos rios de Ourém para alcançar elementos e seres trazidos de outras águas, Caio mergulha dentro de si para acessar memórias “enkantadas”. As boniktas aparecem nos sonhos, de olhos fechados ou abertos. Costumam ter muitos olhos, traços e bocas, cabelos e brincos que remetem às águas dos igarapés, aos peixes e às cobras. E também à ancestralidade indígena e aos traços marajoaras das culturas tradicionais amazônidas.

“A vida não é uma linha reta. Ela é uma grande espiral. A gente está girando, eu vou lá e eu volto. Eu não estou indo só para um caminho. Não é um caminho que eu vou daqui e o meu futuro é ali na frente. Não. O caminho é uma grande dança”

A ancestralidade amazônida está muito presente na obra de Caio. Ele a retrata como forma de valorização e de encontro, evocando a ideia de que é impossível pensar um futuro sem a presença dos povos originários

Um exemplo é a série “Memórias Enkantadas”, que ilustra o site da Concertação e traz a junção de fotografias com pichação digital. Da imagem real, surge uma outra camada de mistério que a questiona. O que está por cima dessa imagem às vezes é do futuro, às vezes é do passado.

Kurumins do rio (série Memórias Enkantadas)

É ainda uma forma afetiva de lembrar a infância. Dentro dessas Memórias Enkantadas, Caio resgata momentos com a família e amigos à beira do Rio Guamá, termo indígena que designa o “rio que chove”, e que para ele “chove memórias”. 

Kurumins panankuera (série Memórias Enkantadas)

Já na obra “Kuydado por onde pisa”, produzida por encomenda para a Bienal das Amazônias (2023) e que mistura lambe-lambe com foto colagem, pichações e encantarias, o artista fala sobre o cuidado e respeito que se deve ter pelo local onde estamos. Simboliza os caminhos e encruzilhadas a serem percorridos, onde tudo tem dono e proteção há muito tempo. 

Kuydado por onde pisa
(obra exposta de forma inédita na primeira edição da Bienal das Amazônias)

Por sua vez, “Regeneración” é um fragmento de uma obra coletiva desenvolvida durante uma oficina na cidade de Florência, na Colômbia. Ela reflete sobre a recuperação das cidades a partir da invasão da floresta nos grandes centros e as pessoas, que se transformam em plantas ou bichos.

Regeneración

“Eu gosto de encantar. A arte faz isso comigo. Quando faço arte, eu mesmo me encanto. Quando acesso arte, eu me encanto. Me refiro às encantarias da floresta, que são os seres que ao mesmo tempo que te protegem, também te dão um susto”
Compartilhe nas redes sociais