Os desafios ligados a um entendimento contemporâneo de infraestrutura e a busca por um impacto positivo real e de longo prazo para seus principais beneficiários.
No dia 12 de julho de 2021 aconteceu a 6ª plenária do ano de Uma Concertação pela Amazônia. Para falar a respeito do tema “As Dimensões das Infraestruturas na Amazônia”, recebemos como convidados o governador do estado do Pará, Helder Barbalho; o sociólogo e professor da Universidade de São Paulo, Ricardo Abramovay; a pesquisadora do CPI – Climate Policy Initiative, Ana Cristina Barros; e a fotojornalista Paula Sampaio. O encontro foi mediado por Francisco Gaetani, professor da Ebape/FGV e fellow do Instituto Arapyaú.
Ricardo Abramovay, que vem conduzindo um trabalho junto ao GT Infraestrutura e Justiça Ambiental da Concertação, iniciou sua fala apresentando como a visão global sobre o que é infraestrutura está mudando. Segundo o professor, a própria definição está em transformação. Uma vez que entidades globais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Comissão Global para Economia e Mudanças Climáticas da ONU afirmam que as infraestruturas contemporâneas estão se voltando para dois objetivos: enfrentamento das mudanças climáticas e luta contra as desigualdades. Por isso, quem pensa em infraestrutura apenas como suporte do desenvolvimento econômico está olhando para o passado.
O mundo, de acordo com Abramovay, investirá entre 2015 e 2030 cerca de 94 milhões de dólares em projetos de infraestrutura. Entretanto, o professor alerta que dependendo de onde forem feitos os investimentos, podemos melhorar a situação ou nos colocarmos em condições ainda mais difíceis de serem superadas do ponto de vista social e ambiental. Desse modo, precisamos focar em saídas construtivas, como, por exemplo, de projetos de infraestrutura que não sejam monofuncionais, atendendo exclusivamente a uma demanda presente, sem atentar para os dois pontos citados anteriormente: as mudanças climáticas e as desigualdades sociais.
O professor da USP apontou ainda 4 mudanças fundamentais na ideia de infraestrutura. A primeira é o reconhecimento da importância das infraestruturas naturais. Precisamos preservar a floresta porque ela é vida, mas também porque é útil. Ela purifica o ar e a água, permite a captação de energia, impede enchentes, etc. E é essa infraestrutura natural, de acordo com Abramovay, que está sendo atacada. Para mantê-la, precisamos de muita ciência, com institutos de pesquisa, universidades, etc. A segunda mudança se relaciona à emergência da Economia do Cuidado. Tema que nos EUA vem sendo tratado como prioridade do presidente Biden e entende como infraestrutura o cuidado com as pessoas – idosos, portadores de deficiências físicas, cuidadoras, profissionais da educação.
A terceira mudança é relativa às infraestruturas imateriais. Reconhecendo organizações de estado, cooperativas, selos de qualidade, etc., como parte importante do desenvolvimento. E a última refere-se a ressignificação das infraestruturas cinzas, com atenção a novas soluções, como por exemplo, as soluções baseadas na natureza (SbN), presentes em políticas públicas da União Europeia. Para Ricardo, as SbNs são essenciais para as infraestruturas urbanas, que precisam ser capazes de responder aos desafios das cidades florestais – como a impermeabilização, a lógica de cidades como ponto de passagem de commodities e que não aproveitam o uso da madeira inteligente da madeira em projetos e na construção civil.
“Não se trata de oferecer, de forma genérica, os bens públicos para que o setor privado possa expandir suas iniciativas, mas sim de moldar estas iniciativas em direção a finalidades que envolvem os dois maiores desafios contemporâneos: o enfrentamento da crise climática e a redução das desigualdades.” – Ricardo Abramovay
A segunda convidada a se apresentar, Ana Cristina Barros, trouxe uma visão complementar a de Ricardo Abramovay. De acordo com a pesquisadora, o pressuposto do CPI é que o investimento em infraestrutura é desejável, no entanto, a critica aos projetos antigos – os cinzas, calcados em cimento – é necessária. Os governos, para Ana Cristina, acreditam que as críticas representam oposição, quando na verdade significam apenas uma busca pelo aperfeiçoamento das proposições. O que, para ela, já é uma demanda antiga, que remonta o ano de 2009, quando o G20 iniciou as discussões sobre a qualidade dos projetos.
De acordo com a pesquisadora, ao contrário do que acontecia no passado – quando a principal reclamação de governantes era a forma como eram criticados – hoje existem diversos interlocutores e diversas formas de transmitir a mensagem. Então, ela acredita que não é uma dificuldade de recepção relacionada à forma e sim à própria mensagem. Os governantes ainda estão resistentes a uma nova forma de pensar infraestrutura. E assim, continuam desenvolvendo e investindo em projetos que não contabilizam custos ambientais, que não levam em conta o contexto da Amazônia, por exemplo, ou ainda que distorcem o que propõe – enfatizando excessivamente benefícios e subestimando riscos.
Ana Cristina sugere a necessidade de entendermos que na Amazônia os territórios são de um passivo de políticas públicas enormes. Por isso, quando se propõe a construção de uma hidrelétrica surgem outras demandas locais prementes, como escola, saneamento e água. Não podemos reclamar de demandas sociais que vem para viabilizar a hidrelétrica num contexto mais amplo. Segundo ela, o Chile tem um bom exemplo de como lidar com essas demandas.
O programa de “Acordos Voluntários de Pré-Investimento” do governo chileno promove a adoção de altos padrões socioambientais por projetos de investimento, por meio da implementação de processos participativos logo no início dos projetos de infraestrutura, facilitando a realização de acordos destinados a melhorar o projeto e seus benefícios, bem como criar relações construtivas de longo prazo entre empresas, comunidades locais e outros atores de interesse. O Ministério da Economia do Chile percebeu que se negociasse durante um ano com o local de realização dos projetos de infraestrutura, conseguiria viabilizar o projeto e viabilizar as demandas econômicas e sociais do local sem os entraves e sem os atrasos comuns em projetos dessa natureza.
Ana Cristina finaliza dizendo que vivemos hoje com embates na justiça, principalmente em função do licenciamento ambiental. E que para evitá-los precisamos aprender com a leitura do ciclo de vida do projeto – nascer, amadurecer e ser implementado – regulado por um processo de tomada de decisão, que normalmente carece de planejamento, estudo de viabilidade e transparência.
“É desse rito de tomada de decisão que precisamos nos apoderar. Para discutir com governo e iniciativa privada durante os processos de tomada de decisão, garantindo que os projetos de infraestrutura trarão o que a gente mais precisa e deseja.” – Ana Cristina Barros
As reflexões da pesquisadora do CPI foram perfeitas para anteceder sua fala, afirmou Helder Barbalho, governador do Pará e terceiro convidado a apresentar suas contribuições na plenária. De acordo com o governador, é preciso fazer uma avaliação que vai além das questões pontuais para o licenciamento ambiental O licenciamento deve ser a base sólida para uma obra, mas para além, precisamos fazer uma contextualização para o ambiente geral do território. No estado do Pará inclusive existem diversos casos que nos mostram a necessidade de uma análise de governança, de impactos sociais e ambientais. Ele exemplifica com a Usina Hidrelétrica de Belo Monte que trouxe muitos impactos ambientais, mas que também tem impactos sociais na região de Altamira extremamente preocupante. Se lá atrás Belo Monte foi motivo de festa, hoje é um problema. E um problema que trouxe poucos benefícios para o próprio território.
Num primeiro momento, focou-se na geração de empregos, como impacto positivo. No entanto, duplicar a população do território levou a problemas gravíssimos. Altamira, cerca de 3 ou 4 anos atrás, foi colocada como uma das cidades mais violentas do Brasil e do planeta. Consequência de uma falta de planejamento, de preparar a cidade, de compreender que precisamos ter um olhar social e ambiental dialogando conjuntamente. O governador se diz favorável aos projetos de desenvolvimento da região, desde que não sejam fruto de agenda imediatista com objetivo puramente econômico que não considere as intervenções necessárias para preparar o território, o ambiente e a sociedade local.
Para Helder Barbalho, é necessário que o estado e o Brasil se planejem. Construindo paralelamente a agenda do dia e a carteira do amanhã. Abandonando uma visão retrógrada de que o meio ambiente é entrave para o desenvolvimento. Precisamos pensar em desenvolvimento com compatibilidade, com preservação ambiental, olhar social e de desenvolvimento e econômico. Não apenas para o hoje, mas para o futuro.
A última convidada a falar na plenária, registra em imagens e sons o impacto social e cultural das obras de infraestrutura na Amazônia. Paula Sampaio nasceu em Belo Horizonte, se mudou quando criança para o Pará e depois escolheu Belém para viver e trabalhar. É fotojornalista e desde os anos 1990 desenvolve projetos e ensaios fotográficos sobre temas amazônicos, principalmente de migrações de comunidades impactadas por megaprojetos, como rodovias.
Por isso, Paula se sente à vontade para falar sobre a infraestrutura da Amazônia. Uma realidade que vivenciou desde criança e registra com as lentes da sua câmera. A fotojornalista ao invés de falar preferiu mostrar uma de suas obras, um vídeo em que moradores de Tucuruí – cidade paraense onde está localizada a segunda maior hidrelétrica do Brasil (atrás apenas de Belo Monte) – relatam as transformações e os impactos que sofreram depois que a usina foi construída na década de 1970.
Coincidentemente, Paula fazia esses registros ao mesmo tempo em que Belo Monte estava sendo construída. Suas imagens e vídeos deixam a sensação de que nos quarenta anos que separam uma obra da outra, pouca coisa mudou em relação ao cuidado com as consequências sociais e ambientais que uma obra como essa gera a médio e longo prazo.