Rai Reis - A foto perfeita é aquela que ainda vou fazer

A foto perfeita é aquela que ainda vou fazer
(Rai Reis)

Rai Reis vê a si mesmo muito mais como um profissional da fotografia do que como artista, mas o conjunto de sua obra autoral faz dele o fotógrafo do Mato Grosso por excelência. E é com essa visão que Rai, cuja obra passa a inspirar a identidade visual dos canais digitais da Concertação, registra principalmente as paisagens mato-grossenses e o sertanejo, personagem que em seu trabalho está sempre em destaque. 

Uma obra em que o estado do Mato Grosso e o ofício do fotógrafo se confundem

Nascido em Cáceres, Rai vive desde a adolescência em Cuiabá. Foi na capital mato-grossense que começou a praticar a fotografia, a princípio por influência do pai. Mais tarde, profissionalizou-se como fotojornalista e fotógrafo de moda e design. No entanto, seu trabalho mais notável é o artístico e autoral, em que o olhar é mobilizado pelas imagens de seu estado natal.

Em depoimento à Concertação sobre sua obra e trajetória, Rai conta sobre o Mato Grosso. É nítido o quanto para ele ambas as coisas são, senão idênticas, convergentes. É evidente também a sua tristeza ao falar da velocidade cada vez maior da degradação ambiental no estado e seu impacto sobre a cultura regional tradicional, em que o sertanejo é figura central. Sua descrição das paisagens e das gentes mato-grossenses é cheia de afeto e preocupação:

“O Mato Grosso possui três biomas: Pantanal, Cerrado e Amazônia. A parte norte (Amazônia) é onde estão os grandes negócios, a soja, o algodão, o milho. Mais ao sul, na região de Poconé, que é o portal para o Pantanal, as tradições culturais ainda estão bem preservadas, mas a área está cercada pelo garimpo e a grande plantação está avançando ali. Não é o garimpo de pequena escala, é o garimpo industrial”.

Rai relata que nessa região as pessoas estão bebendo água contaminada com mercúrio e a degradação ambiental é grande. Em sua opinião, não há como ser otimista e achar que esse tipo de ocupação um dia vá dar certo.

Por outro lado, a ocupação mais antiga fica na região de Cerrado, onde se deu a descoberta e a exploração de ouro no período colonial e onde a pecuária teve função de apoio à mineração. Ali, seu desenvolvimento respeitou a ideia de abrir partes do território e preservar outras, e formando uma espécie de mosaico de áreas preservadas.

Mais a leste, já no bioma amazônico, fica Vila Bela da Santíssima Trindade, a primeira capital do estado, que já conta quase 300 anos. Localizada na fronteira com a Bolívia, ali a cultura sertaneja está inteiramente mantida.

O Mato Grosso que resiste é atemporal

Faz mais de uma década que Rai fotografa Vila Bela. São registros que documentam a passagem do tempo e mostram a cidade se transformando, enquanto também imortalizam a história que permanece.Embora observe a degradação da cidade, os antigos casarões caindo e a área urbana se transformando, à angústia advinda dessa circunstância o fotógrafo sobrepõe as belíssimas imagens que registra da cultura tradicional. São as festas da Congada Congado ou Festa de Congos: Festa de matriz religiosa afro-brasileira, que mistura dança, canto e teatro. Os “Congos” são grupos que desfilam e cantam em procissão, em homenagem ao santo ou santa padroeira, (São Benedito ou Nossa Sra. do Rosário, os santos “pretos”) em cuja igreja termina o cortejo, em geral., o artesanato dos instrumentos e vestimentas, a música, a culinária, a bebida.

Festa do Congo de Vila Bela da Santíssima Trindade
Festa do Congo de Vila Bela da Santíssima Trindade

“Não tem essa coisa do moderno”, diz. Quando fotografa os folguedos tradicionais, sabe que está testemunhando algo que acontece de maneira idêntica ao que ocorria há 200 anos.  É uma oportunidade de sair do próprio cotidiano e mergulhar numa rotina que não conhece, tirar enorme prazer da profissão e escapar do tédio, do marasmo de fazer a mesma coisa todos os dias. Para ele, a fotografia não é uma coisa fria, “é algo que se faz com a alma, com sua história. É memória e é história”.

Rai é um apaixonado pelo que chama de “Mato Grosso profundo”, em que o sertanejo é o herói das duras condições em que se produz a vida naquele território e protagonista da preservação das tradições e da cultura local.

Produção da viola de pau (ou viola de cocho). A viola de cocho é um instrumento musical tradicional do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, esculpido em uma tora de madeira inteiriça. Seu “modo de fazer” é registrado como Patrimônio Cultural do Brasil desde 2004), instrumento tradicional das festas populares do Mato Grosso.

O sertanejo sobrevive na raça

Para Rai, o sertanejo em Mato Grosso é um sobrevivente por definição. “O cara está esquecido lá, vivendo da lida do gado e do trabalho na roça. Antigamente ele vivia da coleta na floresta, da pequena plantação de produtos do cerrado, da pesca artesanal. Agora, não dá pra saber até quando vai conseguir sobreviver”, comenta.

O artista vê a conexão das pessoas com os rios como a essência do Mato Grosso, mas a seca crescente tem ameaçado esse vínculo. Ele relata que, em sua infância, via o Rio Paraguai como um rio gigante, mas, no momento é possível atravessá-lo “com água na canela”. Se a seca perdurar, será o colapso desse modo de vida, avalia. “E o sertanejo é o elo mais fraco”.


Rai vai atrás das manifestações culturais autênticas, que são expressão das histórias locais

O fotógrafo autoral é, em sua visão, uma espécie de “caçador de imagens e de momentos”. O que o move é a “boa história”, capturada pelo olhar treinado para o enquadramento e a luz. Por isso viaja pelo estado, fotografa as cidades, tradições, modos de vida, pausas e festas.

É nesse contexto de história e de memória que, embora não acredite em “legendas” para fotografias, ele comenta algumas delas:

Vaqueiro

Captada durante uma festa de santo no município de Rosário Oeste, esta imagem mostra aquele que para Rai representa o personagem rural autêntico por excelência: o vaqueiro.

Homenagem a São Benedito

Realizada durante a mesma festa em Rosário Oeste, esta foto capta a homenagem ao padroeiro da comemoração, São Benedito. Aqui, Rai destaca os instrumentos tradicionais: viola de cocho (de pau) e ganzá. Ele explica que se trata de uma celebração sincrética movida a cachaça que, como toda festa de santo do Mato Grosso, mistura música, reza e bebida alcoólica: a cachaça de raiz Cachaça “temperada” com algum tipo de planta, seja a raiz propriamente, sejam cascas, folhas ou frutos. São comumente usadas a andiroba, jambu, guaraná, etc.. “Tem um cara que fica no meio deles distribuindo goles da pinga, o que deixa a festa muito animada”, relata.

Dança dos Mascarados e Cavalhada

Dança dos Mascarados e a Cavalhada
Dança dos Mascarados e a Cavalhada

Nestas imagens, Rai retrata a Dança dos Mascarados e a Cavalhada, típicas da cidade de Poconé. Sempre mascarados e completamente cobertos por roupas características, ele explica que somente homens participam da dança. Esta faz parte dos folguedos da Cavalhada, uma representação campal da luta entre cristãos e muçulmanos, que integra as comemorações da Festa do Divino Espírito Santo e de São Benedito.

Festa do Boi

Rai registra aqui a festa do Siriri, manifestação cultural que usa o boi como figura cênica. Diferente do bumba-meu-boi das regiões Norte e Nordeste do Brasil, a música que anima as festas do Siriri no Mato Grosso tem o ritmo do cururu e é acompanhada pela viola de cocho e pelo ganzá.

Vida na fazenda

Esta foto foi feita na Fazenda Jacobina, uma das mais antigas de Mato Grosso e, no passado, uma das mais prósperas. Rai estima que o registro tenha sido realizado há cinco anos. Ele conta que a parede verde foi recentemente rebocada e o cavalo já não passa por dentro do cômodo, que foi transformado em quarto de hotel. Para ele, a imagem eterniza um momento da história do Mato Grosso.

“Sempre me emociono quando vejo minhas fotos mais antigas, de gente simples. Eu volto aos lugares e vejo o tempo correndo também para as pessoas que fotografei. Às vezes esqueço o que já fiz. Com o tempo, vou rever os arquivos, e vejo outras coisas, de que eu não lembrava. Elas ficam como acervo, como história”, diz.

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