Ao pintar sonoridades, PV Dias imagina novos futuros a partir da cena musical urbana das Amazônias

PV Dias traz em sua arte a pulsação sonora, visual e política da Amazônia urbana. Inspirada pelo vibrante círculo cultural das periferias, sua pintura traduz visualmente os ritmos do tecnobrega - batidas eletrônicas que misturam sintetizadores a elementos da música regional amazônica.

Ao pintar sonoridades, PV Dias imagina novos futuros a partir da cena musical urbana das Amazônias

Fotografia, vídeo, arte digital, realidade aumentada. Cores saturadas e vibrantes, estética pop, referências ao afrofuturismo Movimento cultural, estético e político que se manifesta nos diversos campos das artes a partir da perspectiva negra. Utiliza elementos da ficção científica e de fantasia para criar narrativas de protagonismo negro, celebrando sua identidade, ancestralidade e história e às Amazônias caribenha e sul-americana. Esses são elementos centrais na obra de Paulo Victor Dias, o PV Dias, artista que a partir de setembro inspira nossos canais digitais

PV Dias traz em sua arte a pulsação sonora, visual e política da Amazônia urbana. Inspirada pelo vibrante círculo cultural das periferias, sua pintura traduz visualmente os ritmos do tecnobrega – batidas eletrônicas que misturam sintetizadores a elementos da música regional amazônica.

Calypso, carimbó, forró e zouk aparecem em sua obra associados a uma estética pop e ao movimento afrofuturista, em narrativas visuais que partem de uma escuta atenta do passado e do presente regional.

Sua forte conexão com a efervescente cena noturna inspira telas que exploram não apenas os ritmos, mas também o universo da economia criativa em torno das grandes festas de aparelhagem: transporte e montagem das estruturas, cenário, iluminação, vendedores ambulantes e a exaustão ao final dos eventos. Assim, o microcosmo das aparelhagens amazônidas representa uma valorização da estética das celebrações e do modo de vida urbano amazônico para além dos clichês. 

A Amazônia artística de PV Dias é pouco conhecida do restante do Brasil

PV considera a Amazônia onde cresceu como sua referência visual fundamental. Ele é natural de Belém e foi criado entre a capital e Ananindeua, mas também visitava com frequência o interior do Pará, onde tem família. A experiência de viver no Rio de Janeiro transformou sua compreensão sobre a região. “Morar fora do Pará aguçou minha percepção. Coisas que antes eu achava normais, como a paisagem sonora de Belém, hoje me parecem únicas”, relata.

O contato com visões estereotipadas de sua terra natal instigou a vontade de reescrever narrativas, abordando ritmos e cores das periferias. Suas obras frequentemente associam a paisagem urbana à dimensão econômica dos bastidores das festas, ressaltando seu impacto social e cultural. 

As grandes festas que arrastam multidões sob os ritmos do tecnobrega são presença frequente em suas telas. Fascinado com o impacto visual desses eventos, PV busca mostrar uma Amazônia diferente, que promove celebrações gigantescas todos os finais de semana, mas é pouco conhecida no restante do Brasil. 

A pulsação cultural que move a economia criativa amazônica

As aparelhagens democratizam cultura e lazer, mas também têm forte impacto econômico. Movimentam caminhoneiros, carregadores, técnicos de som e luz, artistas visuais, DJs e vendedores ambulantes. São cadeias produtivas que sustentam milhares de pessoas que respiram música, profissionalizam-se em torno dela e têm na sua movimentação financeira uma importante fonte de sustento.

Ao lado de outros artistas, PV destaca o papel dos coletivos locais no fortalecimento da economia criativa amazônica, cada vez mais independente de grandes patrocinadores. “Há uma pulsação cultural no interior”, ele relata. “Cametá Município paraense, por exemplo, está fervendo. O que fortalece não é o artista sozinho, mas a coletividade, os pequenos circuitos, as redes de apoio”. Assim, combinando documentos, personagens imaginários e elementos pop, ele cria o que chama de “tramas performáticas visuais” para narrar um território vivo e dinâmico.

Amazônia conectada ao mundo

O trânsito livre da estética tecnobrega é tema da tela “Quinze anos na aparelhagem/Quinceañera em Sound System” (2023). A obra representa a convergência cultural entre a Amazônia brasileira e os demais países da região, às vezes mais acentuada do que a identificação do território com outras partes do país, um dos aspectos do cotidiano aos quais PV está atento.

“Quinze anos na Aparelhagem. Quinceañera en Sound System” (2023)

Essa conexão aparece também pela presença de animais que fazem parte do cenário e imaginário visual das festas de aparelhagem do Pará. Um exemplo é a obra “O Búfalo: A fauna futurista das aparelhagens”, que integra uma trilogia de pinturas de grande porte que inclui também o crocodilo e a águia.

Essas figuras, presentes em festas de aparelhagem, atravessam fronteiras coloniais e conectam a Amazônia a territórios caribenhos e sul-americanos. Segundo PV, sua inclusão nos cenários das festas simboliza como a cultura popular rompe limites geográficos, levando sons, imagens e referências visuais para além das fronteiras estabelecidas.

“O Búfalo. A Fauna Futurista das Aparelhagens” (2021)

Na obra “Luzes da noite FM” (2023), o artista retrata os DJs da cena noturna em diálogo com a cultura dos picós “picós” refere-se aos potentes sistemas de som que são uma parte essencial da cultura picotera, especialmente em cidades como Cartagena e Barranquilla. Estes sistemas de som, decorados com desenhos multicoloridos e alegres, são usados em festas e eventos para amplificar a música, especialmente em estilos como a champeta e outros ritmos afro-caribenhos. colombianos, ressaltando o trânsito internacional do sound system que une Jamaica, Maranhão e Colômbia.

“Luzes da Noite FM” (2023)

Um artista que projeta o futuro com sotaque amazônico


O afrofuturismo, em sua versão “anárquica e amazônica”, é também um elemento essencial na arte de PV Dias. Ele começou a explorar essa perspectiva de forma intuitiva e, com o tempo, percebeu que projetar futuros a partir de suas referências — negras, nortistas e urbanas — é também uma forma de afirmar identidade e reimaginar possibilidades para a região.

É na projeção desse futuro que convergem não só suas raízes negras e urbanas, mas também os ritmos, cores, cenas, tecnologias, tradições e histórias que mostram uma Amazônia potente e criativa. “Estou contando a minha história, que pode ser inventada, assim como outras histórias foram inventadas. (…) Um futuro em que as dinâmicas arquitetônicas, colaborativas, visuais e musicais partam também de um olhar amazônico”, explica.

E quando essa arte nasce no Norte, com seus brilhos, batidas e corpos em movimento, ela não apenas imagina novos mundos, ela inaugura possibilidades.

Uma Amazônia na vanguarda da modernidade

A arte de PV Dias eterniza uma Amazônia eletrônica e digital. A inspiração vinda das aparelhagens do tecnobrega questiona a noção estereotipada de uma Amazônia isolada e pré-moderna. Sua obra mostra que o Norte é um centro de inovação e potência criativa — um território capaz de influenciar estéticas globais com cores, ritmos e referências da urbanidade negra.

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