Fernanda Rennó apresentou a série exclusiva de aquarelas de fungos da Amazônia, criada pela artista visual amazonense Hadna Abreu, que compôs a publicação “Propostas para as Amazônias: uma abordagem integradora”, lançada pela Concertação na Cúpula da Amazônia, em Belém.
Os fungos são uma metáfora das inter-relações entre os temas estruturais abordados na publicação, semelhantes às conexões que as redes fúngicas estabelecem na base do ciclo nutritivo necessário a todas as formas de vida. O documento busca justamente ultrapassar as temáticas e expor conexões entre elas, entendendo que compreender essas relações e qualificar o debate pode oferecer caminhos para a ação transformadora.
E neste mesmo momento em que, junto ao lançamento das propostas, a rede lança também o Programa Itinerários Amazônicos, em parceria com Instituto iungo e Instituto Reúna, o tema da Educação foi a pauta central do debate sob a perspectiva de sua fundamental relevância para a construção de uma agenda de desenvolvimento integradora para o território.
“Quando a gente avança no entendimento do processo de escolarização, a gente percebe que parte da população amazônica que conseguiu acessar o ensino vai se retirando da escola porque a escola não faz sentido para aquelas vidas e porque não existe um cuidado enquanto política pública de proteger as trajetórias de vida escolares dos grupos mais frágeis e mais vulnerabilizados das nossas sociedades. Esse deve ser um esforço intersetorial, de política pública, para se impedir que se abandone a escola. Proteger a trajetória é proteger a permanência dos meninos e meninas na escola. Isso significa investimento em política de saúde, de assistência social, em política de trabalho e renda. Isto porque se a família é confrontada com o dilema de escolher sobreviver ou manter o adolescente na escola, nós sabemos qual é a resposta que cada um de nós daria e que as famílias costumam dar.”, Alexsandro Santos, diretor de Políticas e Diretrizes de Educação Básica do Ministério da Educação, convidado do encontro.
Alexsandro dividiu a fala ainda com Alcielle dos Santos, Diretora de Educação do Instituto iungo e integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República, e Wilmara Cruz Messa, Diretora do Centro de Mídias de Educação do Amazonas (CEMEAM).
“A escola deve ser pensada para ser um ponto de uma rede. A rede ampara, não deixa cair”
(Alexsandro do Nascimento Santos)
Primeiro a falar, Alexsandro destacou que as políticas públicas de educação são marcadas pela hegemonia dos modos de ver o mundo das regiões Sul e Sudeste do Brasil. Esta visão coloca as regiões Norte e Nordeste como territórios de ausência, secundários ao projeto de nação, produzindo políticas educacionais que não os alcançam. Por essa razão, ele defende um “giro decolonial”.
Segundo Alexsandro, é necessário mobilizar a potência de sujeitos que foram excluídos, como é o caso das Amazônias, para ajudar o Brasil a ver outras formas de viver e conviver no mundo, e produzir políticas educacionais a partir de outros parâmetros: a vida na floresta, nos rios, nas cidades amazônicas. Essas políticas, portanto, precisam encontrar respostas para perguntas que ainda não foram feitas.
No que tange à política de Educação Básica, Alexsandro destacou a necessidade de enfrentar três camadas de desafios: garantir acesso, permanência e significado na vida dos sujeitos. Na Amazônia, em particular, é necessária uma ação intersetorial e interinstitucional que proteja a trajetória escolar, integrando, por exemplo, ações de saúde, infraestrutura e renda.
O diretor do MEC escolhe, como metáfora da educação, a ideia de que “a escola deve ser pensada como um ponto de uma rede; a rede ampara, não deixa cair”. Como tal, deve se conectar com o que acontece na vida social e cultural, onde também ocorrem processos de aprendizagem. A educação integral passa por uma perspectiva de fortalecimento da rede intersetorial e da garantia de que o seu currículo produza uma ligação forte e consistente com o território. Assim, território e intersetorialidade são pilares de uma política de educação integral que deixam escolas, comunidades, municípios e estados com alto poder de decisão sobre como implementar o ensino.
Quanto ao Ensino Médio, Santos relatou que o MEC apresentou uma revisão do Plano Nacional da Educação e continua trabalhando para aprofundar suas políticas, tendo como centro gravitacional a equidade de oportunidades a partir da educação.
“É necessário gerar oportunidade para que todos tenham a educação básica na sua localidade”
(Wilmara Cruz Messa)
Na sequência, Wilmara Cruz Messa relatou a experiência do CEMEAM, criado pelo governo do Amazonas em 2007 para levar educação básica até comunidades mais remotas, por meio da transmissão de aulas on-line. Atualmente, o Centro atende aproximadamente 27 mil alunos.
Ela apresentou um vídeo institucional descrevendo a atuação do CEMEAM, que combina ferramentas pedagógicas e tecnológicas, fazendo uso do ensino presencial mediado por tecnologia. O programa conta com aulas ao vivo, professores especialistas e pedagogos, ampliando a capacidade de atuação da Secretaria Estadual de Educação e Desporto.
Segundo Wilmara, o projeto ainda não consegue entregar currículos específicos para educação indígena, rural ou quilombola, mas está ampliando suas equipes para alcançar esse objetivo. No momento, o foco está em “gerar oportunidade para que todos tenham educação básica na sua localidade”.
“É preciso amazonizar as escolas brasileiras”
(Alcielle dos Santos)
Em seguida, Alcielle dos Santos abordou dois temas: a educação que a sociedade brasileira deseja para a Amazônia Legal; e como essa educação também deve ser para todos os brasileiros e brasileiras.
Alcielle explicou que a educação para a Amazônia Legal deve se expressar em uma abordagem integrada e inclusiva, conforme proposto no documento “Educação em Perspectivas”.
A publicação pensa a educação quanto às condições materiais e busca uma construção mais humanizada do que aquela feita até o momento. Envolve a construção da educação para a Amazônia com a Amazônia, o que significa ter a participação das pessoas da Amazônia desde a concepção até a materialização das políticas públicas e de todos os esforços em educação que acontecerem em seu território.
A especialista destacou que o momento político atual requer a colaboração de todos os setores para uma política de educação que seja de Estado, e não de governo. Estão em debate o Plano Nacional de Educação para o decênio 2024-2034 e uma política pública de Educação Integral, com a recriação do Fórum Nacional de Educação (FNE).
Nesse sentido, o documento “Educação em Perspectivas” apresenta uma análise territorial com base em dados quantitativos e qualitativos. Alcielle exibiu o infográfico que traz uma linha do tempo com os principais marcos legais das políticas de Educação desde a Constituição de 1988, oferecendo uma base do que é preciso colocar em perspectiva hoje: os indicadores da educação na Amazônia, que são mais preocupantes que os nacionais, mas que não devem ser considerados como “falta”. É preciso olhar para a materialidade do território, para a riqueza cultural e diversidade dos povos, a consistência e a potência das juventudes.
Para ela, esse documento é uma relevante entrega da Concertação para o governo e uma defesa de uma qualidade de vida que se dê por justiça social, que é parte da discussão do modelo de desenvolvimento.
Nesse ponto, Alcielle passou ao segundo tema de sua fala: o recente lançamento do Programa “Itinerários Amazônicos”, que se propõe a “amazonizar” as escolas do Brasil.
Desenvolvido pela Concertação em parceria com Instituto iungo e Instituto Reúna, o programa se fundamenta numa matriz curricular desenhada por especialistas, que traz entre seus macrotemas as questões da biodiversidade e da sociodiversidade, da geopolítica da Amazônia, das identidades, culturas e economias da região. Os Itinerários trazem em seu material pedagógico 15 unidades curriculares e formação continuada para os professores. Disponibilizados de forma gratuita para todos os estados brasileiros, eles já foram adotados por oito secretarias de estado de educação.